quinta-feira, março 14, 2013


Acessórios de Papel

0




Revistas velhas são transformadas em colares, brincos, anéis e bolsas


Foto: Walmir Monteiro
Servindo um suco de tamarindo em sua casa. Foi assim que a aposentada Lenice Góes, 69 anos, começou a conversa sobre o gosto por trabalhos manuais. Desde menina ela leva jeito para o artesanato. Aos nove anos, fez um sapatinho de tricô, utilizando agulha de bambu. “Tinha uma senhora vizinha da minha casa que pendurava os sapatinhos para vender, e eu queria fazer a mesma coisa”, conta, lembrando da infância vivida na cidade de Água Boa, interior de Minas Gerais. Foi assim que Lenice teve inspiração para expor seus sapatinhos na venda de seu pai.

“Quando vendia, era uma alegria imensa.” Hoje Lenice é casada, mãe de quatro filhos, avó de seis netos e continua fazendo trabalhos manuais, mas agora a matéria-prima é outra: papel de revistas. Há cerca de 30 anos a artesã começou a trabalhar com o material reciclável. “Assinava as revistas Veja e Isto É e acumulava um monte de lixo, mas não sabia o que fazer, aí inventei uma cortina”, conta orgulhosa. A cortina, que foi feita para separar a cozinha da sala, foi produzida com encartes de supermercado e durou 12 anos. Lenice levou um ano para fazer a peça que agradou a todos que visitaram sua casa.“Todo mundo que chegava aqui em casa ficava encantado com a cortina. Eu me arrependo de não ter guardado de lembrança”, diz com um pouco de nostalgia. 

Da primeira peça, sobraram vários canutilhos, que Lenice guardou e só utilizou tempos depois para produzir alguns descansos de travessa. Esse trabalho resultou na participação de Lenice em feiras de artesanato. Durante uma dessas feiras, a artesã recebeu de uma conhecida o desafio de fazer uma bolsa utilizando os mesmos materiais. “Pensei que não era capaz, mas a moça disse que o mais difícil eu já tinha feito, que era a trama”, explicou. A partir desse incentivo,a aposentada começou a fazer bolsas, balaios e baús. “Para esconder o ímã do baú, fiz uma rodinha de papel e com isso pensei: porque não criar bijuterias?”.

No início, a artesã não valorizava muito o seu trabalho no que diz respeito ao preço das peças. “O papel é de graça e o quilo da miçanga é muito barato”, explica. Lenice só foi repensar os valores quando um cliente deixou escapar que o preço das bijuterias estava muito baixo. A mão de obra da artesã não era levada em consideração para calcular o preço final. Hoje, o que mais valoriza o seu trabalho é sua habilidade e a persistência para produzir. Alguns produtos ela chega a ficar 12 horas confeccionando.




O que era uma distração para Lenice virou negócio. Os trabalhos da aposentada já foram para outros países, como França, Itália e Portugal. “A filha de uma amiga foi para a Inglaterra e levou uma bolsa que fiz. Chegando lá, a bolsa fez o maior sucesso e recebi encomendas”, diz orgulhosa.Ela exporta há cinco anos, e toda a exportação é feita pelo Centro Cape/Mãos de Minas. “Não posso me queixar do trabalho, porque dá para melhorar o rendimento no final do mês.”

A construção das peças

É num pequeno quarto, em sua casa, na região do bairro Sagrada Família em Belo Horizonte (MG) que Lenice trabalha durante horas. “Alguns dias paro só para almoçar. Meu marido traz um suco e uma fruta. Coloco muito amor naquilo que faço”, diz.
Em seu ateliê, todo o material é guardado de forma muito organizada. As revistas ficam empilhadas em uma prateleira, as rodinhas dentro de caixas, de acordo com o tamanho, e os canudinhos dentro de garrafas pets. “Sempre que tenho um tempinho, estou fazendo canudinhos”, conta. Algumas ferramentas da artesã são feitas na base do improviso. Ela conta que no início machucava as unhas fazendo o acabamento das peças. “Meu marido pegou um fio de cobre e colocou dois alfinetes de costura. Pronto. Não precisava mais usar a unha”, explica. Também utiliza um cano de antena para que as rodinhas fiquem do mesmo tamanho. “Uso materiais recicláveis em todo o processo”, acrescenta. Máquina de costura e furadeira também auxiliam no trabalho de Lenice.

Todo o processo é feito manualmente. O trabalho consiste em dobrar as folhas de revistas cuidadosamente, cortar as tiras com uma faca bem amolada, criar os canudinhos com uma agulha de tricô, fazer as rodas e, por último, passar a resina. Depois disso é só montar os colares, os anéis, os brincos, as pulseiras e as bolsas. O acabamento com a resina facilita o uso dos acessórios, pois faz com o que o papel não desmanche e dure mais tempo. Lenice conta com a ajuda de mais duas pessoas, que fazem os canudinhos e as rodinhas em casa. Mas, para chegar ao resultado esperado pela artesã, ela ensinou detalhadamente a forma de se fazer. “Gosto de ajudar os outros, é gratificante ver o que o artesanato proporciona.”

O papel

O papel que leva no mínimo três meses para se decompor no meio ambiente, nas mãos de Lenice se transformam em acessórios que duram muitos anos. Além do papel, a artesã usa miçangas de madeira e ossos. “Acho que esses materiais combinam com o papel”, conta. O trabalho com as revistas começou como uma forma de dar um destino melhor ao volume de lixo provocado pelo papel. Para Lenice, trabalhar utilizando o papel como matéria-prima é uma maneira de ajudar um pouco o planeta. “Quando fiz a primeira peça, naquela época não havia consciência ecológica. Hoje as pessoas estão mais envolvidas com essas questões”, conta.

A preocupação de Lenice quanto ao destino do amontoado de revistas é tão grande que até mesmo as embalagens das peças são feitas de papel. “Faço sacolinhas e embrulhos usando as folhas de revistas. Passo na máquina de costura e fica muito delicado”, relata. No início, a aposentada usava muito material de plástico junto com o papel. “Agora valorizo o que vem da terra, porque o papel é da terra, são árvores que devemos preservar.”

A artesã conta que uma vez uma cliente pediu que fizesse várias peças com determinas cores, mas para isso Lenice teria que comprar papel. “Se for para comprar o papel não faço. A intenção maior é tirar o papel do lixo”, explica. Comprar papel ao invés de tirá-lo do lixo é ir contra seus ideais. Lenice diz que é apaixonada pelo artesanato e gosta muito do que faz. “Sempre que termino uma peça, coloco em mim, olho no espelho e digo: como ficou bonito”, conta sorrindo.


*Matéria publicada na RevistaBrasil Feito a Mão

0 comentários:

Postar um comentário